Mar à Pedra

Mar à Pedra

terça-feira, 15 de junho de 2010

A Queda de um Anjo

“Portugal está em crise!” Esta é uma das frases mais banais e que abruptamente aqui e ali sai da boca de todos os portugueses. Este tipo de crise sistémica é algo recorrente e que, em Portugal, já se repetiu no início da década de 80, originada pelo conflito Irão-Iraque e à consequente fricção entre as potências mundiais então vigentes.

Nessa altura, também Portugal, recém-saído de uma crise originada pelo tumultuado processo revolucionário, viveu um momento difícil que, paulatinamente, conseguiu contrariar, principalmente, com medidas económicas baseadas na constante desvalorização monetária do Escudo. Este pacote de medidas foi a gota de água para a credibilização do país no contexto europeu e assim facilitar as negociações do então primeiro-ministro, Mário Soares, com os chamados 10, que corporizavam a, à época, denominada CEE.

Estavam então criadas as condições para uma melhoria gradual, que, com apoio financeiro externo e a abertura do crédito bancária à classe média, faria da governação de Aníbal Cavaco Silva uma das mais produtivas e crescentes para o cidadão comum, pelo menos, aparentemente. A verdade é que aí iniciou-se um problema de dívida pública crescente apoiada pelo crédito bancário, sediado na Europa do norte, que investia, desta forma, em países em vias de desenvolvimento com contrapartidas elevadas, ou seja, com juros.

Esta mais recente crise veio pôr a descoberto um grave problema que incide sobre os países do sul da Europa: o descontrolo orçamental e a dependência da máquina estatal. Ou seja, gasta-se mais do que se produz. Neste momento, vemos um país aflito em busca de receitas para pagar dívidas passadas, em vez de se preocupar com a diminuição de despesa e promover o investimento sustentado e progressivo.

Os impostos deveriam, acima de tudo, assegurar as necessidades básicas dos cidadãos e proporcionar investimento. Este é um paradigma social, económico e político que em Portugal se encontra há décadas. Esta é uma sociedade falida, mas que se passeia pelas mais belas estâncias balneares do mundo, representada pelo acacianismo criado por Eça de Queiroz.

No contexto nazareno, que é o que represento e defendo como autarca, jamais poderia deixar de referir que a situação é ainda pior que a nacional. Este sim é um cenário de uma autarquia, literalmente, falida. Como diria um amigo descrevendo a situação financeira do município nazareno “aparenta um senhor de fato inteiro, mas calçado com umas gastas alpercatas”. Ainda que ironizando, este é o real cenário que foi vigente na última década na Nazaré. Uma dívida apoiada em quase nada, até porque as grandes infra-estruturas locais foram criadas nos já longínquos mandatos do Partido Socialista. Desde a edificação do actual Centro de Saúde, os Mercados Municipais da Nazaré e Valado dos Frades, infraestruturas desportivas como o estádio municipal da Nazaré e o pavilhão gimnodesportivo de Valado dos Frades, a projecção dos bairros sociais das três freguesias, entre tantos outros.

Curiosamente, não foram estes investimentos que criaram a dívida de 24 milhões de euros, ou seja, o equivalente a uma dívida individual de cada cidadão do concelho equivalente a 1600 euros. A pergunta que tenho feito, insistentemente, ao Sr. Presidente da Câmara Municipal da Nazaré é sempre a mesma: onde foi investido este dinheiro? Isto porque não existe obra visível que justifique tão avultado passivo. A resposta tem sido recorrentemente a mesma: “investe-se nas pessoas”. Mas em que pessoas? É a pergunta seguinte e aqui o silêncio é ensurdecedor.

A Nazaré, recentemente, depositou, uma vez mais, a confiança em quem tem governado com uma matriz que roça o amadorismo de um aldeão. Afinal, existem provérbios que expressam o sentimento de alguns que aqui e ali desabafam ditos, como: “cada um tem o que merece” ou “os líderes políticos são o espelho do seu povo”. Sinceramente, não concordo com esta perspectiva e prefiro dizer que “quem semeia ventos colhe tempestades”. Penso ser esta a frase que sintetiza o que aconteceu nas últimas décadas. Foi dado um livre-trânsito a uma estratégia reactiva e ausente de acção e projecto. Muitas vezes em troca de favores pessoais, de um emprego para o filho, uma casinha no Bairro Social, um loteamento em zona verde, um almoço no Carnaval e por aí fora.

Agora, em dias de tempestade, a população percebeu as medidas de austeridade impostas por esta autarquia, desde a sucessiva manutenção do escalão máximo da taxa de IMI (Imposto sobre Imóveis), das taxas de resíduos sólidos, da água, entre outras. Agora, pode já ser tarde para uma recuperação, ainda que gradual. É neste momento de crise que a autarquia promove a captura de receitas ao cidadão comum, enquanto mantém indiferenciados a auferir vencimentos elevadíssimos e tem uma elevada despesa baseada, muitas vezes, em favores políticos. O descontentamento parece impor-se nas populações concelhias, talvez porque agora já o filho não tem emprego, já não há casas no Bairro Social para “oferecer”, as zonas verdes estão em vias de extinção e os sequentes loteamentos e, finalmente, os almoços estão condenados a converter-se em piqueniques.

Falta saber onde se irão buscar verbas para financiar os tantos projectos que ajudam a vencer eleições, mas que, ao ficarem na gaveta, em nada mais resultam senão na destruição gradual de uma economia local, que poderia ter sucesso, mas que, por incompetência de uns e com a conivência de muitos, veio evidenciar a nudez de ideias para o resgate de uma população entorpecida, descrente e apática.


in, Região de Cister


Orlando Rodrigues

Sem comentários:

Enviar um comentário